Jennifer Cristine

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Movimento Armorial


A arte Armorial


O substantivo Armorial nos remete à arte heráldica, coletânea de brasões da nobreza de uma nação ou de uma província. Adjetivado, o termo representa um neologismo criado pelo escritor Ariano Suassuna para batizar o movimento artístico brasileiro que teve sua primeira aparição pública em princípios da década de 1970 na cidade de Recife, e do qual é considerado “mestre e mago”: o Movimento Armorial. 


Cquote1.svg  A Arte Armorial Brasileira é aquela que tem como traço comum principal a ligação com o espírito mágico dos "folhetos" do Romanceiro Popular do Nordeste (Literatura de Cordel), com a Música de viola, rabeca ou pífano que acompanha seus "cantares", e com a Xilogravura que ilustra suas capas, assim como com o espírito e a forma das Artes e espetáculos populares com esse mesmo Romanceiro relacionados.  Cquote2.svg


Ariano SuassunaJornal da Semana, Recife, 20 maio 1975. 




Ariano Suassuna




É impossível falar sobre as origens do Movimento Armorial sem citar Ariano Suassuna, pois, a partir do seu envolvimento com o Teatro do Estudante de Pernambuco e a relação próxima com Hermilo Borba Filho e Federico García Lorca, Suassuna desperta a possibilidade de fazer teatro olhando para região em que vivia o que o levou a pensar o sertão com olhar enaltecedor do regional e de todo o seu fantástico. 
Mais do que o idealizador, Ariano foi um visionário ao perceber tendências nos diversos campos da arte pernambucana e ao reuni-las num conglomerado chamado Movimento Armorial. A tendência detectada por Ariano foi o fazer arte partindo de elementos das raízes populares da cultura brasileira. Contudo, uma arte erudita baseada no popular, uma arte que poderia ser tão nacional quanto a arte popular a ponto de fundamentar-separa combater o processo de banalização e descaracterização pela qual passava a cultura brasileira em 1970, ano de fundação do Movimento Armorial. Seria como “a busca pela real e verdadeira identidade nacional, a constituição de uma verdadeira cultura brasileira” que estaria retornando com toda a força possível no Movimento Armorial.




O boi mandingueiro e o cavalo misteriosos, de Gilvan Samico, reprodução extraída do livro Em Demanda da Poética Popular – Ariano Suassuna e o Movimento Armorial. Idelette Muzart Fonseca dos Santos. Campinas: Editora da UNICAMP, 1999.





No dia 18 de Outubro de 1970, na Igreja São Pedro dos Clérigos em Recife, iniciou-se oficialmente o movimento. Nessa data o idealizador romancista e dramaturgo pernambucano, Ariano Suassuna, lançou o concerto-pedagógico, com a Orquestra Armorial, intitulado ”Três Séculos de Música Nordestina: do Barroco ao Armorial”, no qual a pintura, escultura e xilogravura se uniam à música para lançar as ideias do escritor.


Em meio à forte entrada dos valores culturais americanos no nosso país nos anos 70, o movimento, diferente do Tropicalismo, se focou integralmente na busca das origens da cultura nacional, a fim de se criar uma arte sólida e verdadeiramente brasileira, com ênfase no Nordeste.
 A Arte Armorial se baseia na ideia de que a cultura brasileira genuína é resultado dos intensivos processos imigratórios,  livres e forçados, que ocorreram no país desde a chegada dos portugueses, e da cultura indígena anteriormente já presente. Com isso, o movimento assume uma arte de formação técnica européia (erudita) e com base na tradição nacional, englobando diversas expressões artísticas como a música, o teatro, a poesia, a dança, a pintura, xilogravura, escultura e até o cinema.

O Movimento Armorial surgiu sob a inspiração e direção de Ariano Suassuna, com a colaboração de um grupo de artistas e escritores da região Nordeste do Brasil e o apoio do Departamento de Extensão Cultural da Pró-Reitoria para Assuntos Comunitários da Universidade Federal de Pernambuco.

O movimento ganhou apoio oficial da Prefeitura do Recife e da Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco. Foi lançado oficialmente, no Recife, no dia 18 de outubro de 1970, com a realização de um concerto e uma exposição de artes plásticas realizados no Pátio de São Pedro, no centro da cidade.




Recife




Seu objetivo foi o de valorizar a cultura popular do Nordeste brasileiro, pretendendo realizar uma arte brasileira erudita a partir das raízes populares da cultura do País.Segundo Suassuna, sendo "armorial" o conjunto de insígnias, brasões, estandartes e bandeiras de um povo, a heráldica é uma arte muito mais popular do que qualquer coisa. Desse modo, o nome adotado significou o desejo de ligação com essas heráldicas raízes culturais brasileiras.O Movimento tem interesse pela pintura, música, literatura, cerâmica, dança, escultura, tapeçaria, arquitetura, teatro, gravura e cinema.Uma grande importância é dada aos folhetos do romanceiro popular nordestino, a chamada literatura de cordel, por achar que neles se encontram a fonte de uma arte e uma literatura que expressa as aspirações e o espírito do povo brasileiro, além de reunir três formas de arte: as narrativas de sua poesia, a xilogravura, que ilustra suas capas e a música, através do canto dos seus versos, acompanhada por viola ou rabeca.São também importantes para o Movimento Armorial, os espetáculos populares do Nordeste, encenados ao ar livre, com personagens míticas, cantos, roupagens principescas feitas a partir de farrapos, músicas, animais misteriosos como o boi e o cavalo-marinho do bumba-meu-boimamulengo ou teatro de bonecos nordestino também é uma fonte de inspiração para o Movimento, que procura além da dramaturgia, um modo brasileiro de encenação e representação.Congrega nomes importantes da cultura pernambucana. Além do próprio Ariano Suassuna, Francisco BrennandRaimundo Carrero, Gilvan Samico, entre outros, além de grupos como o Balé Armorial do Nordeste, a Orquestra Armorial de Câmara, a Orquestra Romançal e o Quinteto Armorial.



Gravura




Iluminogravura




Capas dos discos do Quinteto Armorial e Orquestra Armorial




O Movimento Armorial na música

 A Orquestra Armorial, com a qual lançou-se o movimento, foi logo convertida em um grupo menor para melhor se adequar à estética pretendida, e formou-se então o Quinteto Armorial, que foi um dos maiores expoentes do movimento, formada pelos (na época) jovens músicos: Antônio Madureira, Antônio Nóbrega, Egildo Vieira, [Jarbas Maciel], Edison Eulálio Cabral e Fernando Torres Barbosa. O grupo obteve um excelente alcance da estética pretendida, é fácil entender do que se trata o movimento ouvindo seus quatro álbuns gravados: Do Romance ao Galope Nordestino (1974);  Aralume (1976); Quinteto Armorial (1978); Sete Flechas (1980);



O Movimento Armorial nas Artes Plásticas

Os principais percursores da estética armorial foram os pernambucanos Gilvan Samico (xilogravura) e Francisco Brennand (escultura). Tomando por base a arte tradicional e de traços tortos da xilogravura e dos ferros marcadores de gado do Nordeste, puderam dessa forma, dar cores e formas ao universo mítico do Sertão que Ariano Suassuna idealizara.

Gilvan Samico

Obra de G. Samico


Brennand
Ateliê de F. Brennand  no Recife


O Alfabeto Armorial

Inspirado nos ferros marcadores de gado, Ariano Suassuna desenvolveu um trabalho tipográfico ligado à sua heráldica sertaneja: o Alfabeto Armorial. 

TIPOGRAFIA ARMORIAL



O nome Armorial

"Armorial”, que é um substantivo que dá nome ao livro que contém os antigos brasões e bandeiras das famílias, foi usado como adjetivo por Ariano Suassuna, por idealizar um sertão quase que medieval à maneira brasileira, comparando os cangaceiros aos cavaleiros, os donos de fazenda aos rei e condes e suas filhas a princesas; sendo assim, os símbolos dos armorias trariam a principal inspiração para a estética e aspiração ao mundo sertanejo que Ariano Suassuna sonhara.
 Este mundo pode ser vivenciado em seus autos e peças de teatro, porém a sua maior obra em termos armorias é o seu primeiro romance escrito em 1971, e que se tornou imprescindível a quem quer conhecer o movimento; chama-se ”O Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta”, sendo o primeiro da trilogia ainda inacabada “A Maravilhosa Desventura de Quaderna, o Decifrador, e a Demanda Novelosa do Reino do Sertão”, da qual A. Suassuna escreveu a primeira parte do Segundo livro ”A História d’o Rei Degolado nas Caatingas do Sertão; Parte I – Ao Sol da Onça Caetana”. Baseada no primeiro livro, de grande sucesso, foi feita uma minissérie pela rede Globo em junho de 2007, que tem excelente produção e expressa muito bem a estética do movimento.
a pedra do reino




Fases do Movimento

Para os historiadores, “a evolução do Movimento permite distinguir três fases em sua história”:

A primeira fase é denominada preparatória e abarca o período de 1946 a 1969; a segunda, chamada fase experimental, vai de 1970 a 1975; e, por fim, a fase “romançal”, a partir de 1976.

A fase “preparatória” iniciou-se em torno do TEP – Teatro do Estudante de Pernambuco; do TPN - Teatro Popular do Nordeste; da SAMR – Sociedade de Arte Moderna do Recife; e do Atelier Coletivo. Destaca-se nesse período – além de Suassuna - a presença do romancista e teatrólogo Hermilo Borba Filho e dos artistas plásticos Abelardo da Hora, Francisco Brennand e Gilvan Samico. 
Naquele ano de 1946, Suassuna e Irapuan de Albuquerque organizaram um encontro de cantadores e violeiros no Teatro Santa Isabel, iniciativa de repercussão escandalosa, já que aquele espaço era tido como o templo da cultura de elite do Nordeste. Suassuna publicou, então, um artigo onde aponta a importância do romanceiro e da viola nordestina. Apesar de seu trabalho estar voltado inteiramente para o teatro, algumas características da arte armorial já se manifestaram nesse momento através da aproximação com Samico e Brennand e o interesse pela música popular e seus compositores. 
Na década de 1950, escreveu um capítulo sobre o maracatu para o livro “É de Tororó, maracatu”, organizado por Hermilo Borba Filho. Na década seguinte, já reconhecido nacional e internacionalmente como autor de teatro - principalmente pela tradução e representação de sua obra-prima “O auto da Compadecida” em países como França, Alemanha, Espanha, Polônia e outros - Suassuna “assume aos poucos o papel de mestre e conselheiro de parte da jovem geração”, em particular entre seus alunos da disciplina de estética que ministrava na UFPE. 
Da música, arte que indiscutivelmente evoluiu mais rápido no âmbito do Movimento, estão presentes nessa primeira fase aqueles que seriam os patronos e colaboradores da fase subseqüente: compositores como Jarbas Maciel, Capiba, Cussy de Almeida, Clóvis Pereira e Guerra Peixe.

A fase seguinte, experimental, coincide com a nomeação de Suassuna para a direção do DEC em fins de 1969 e seu desligamento daquele departamento em 1974, quando dá lugar a Marcus Accioly, poeta da Geração de 65 do Recife e que havia se integrado ao Movimento desde 1969 junto à Orquestra Armorial. 
A criação da arte Armorial dessa fase esteve respaldada teoricamente não por um manifesto, mas por uma série de escritos que permitem definir com clareza a posição do Movimento: O Programa da Exposição de Artes Plásticas, de 1970, supracitada; o “Almanaque Armorial do Nordeste”, coluna semanal do Jornal da Semana, que funcionou como tribuna onde se viu refletido e explicado o desenvolvimento das artes no Movimento; e a brochura intitulada Movimento Armorial, publicada pela UFPE em 1974, e que condensa as discussões realizadas nos espaços anteriores; revelam as referências estéticas e as pretensões artísticas do Armorial. “Ariano Suassuna qualifica seu romance ‘A Pedra do Reino’ como romance Amorial popular brasileiro”. Se a música, como foi dito, é a arte que mais evoluiu dentro do Movimento, “é na literatura narrativa, campo privilegiado da criação suassuniana, que a literatura Armorial realiza-se plenamente”. E foi justamente a obra “O Romance da Pedra do Reino”, lançada em 1971 por Suassuna, que se tornou porta-bandeira, o modelo literário e cultural para o movimento por ele liderado: “(inspirou) composições musicais, poemas e quadros (...). As gravuras de Suassuna que integram o livro (foram) reproduzidas pela tapeçaria armorial...”.
A consolidação do Movimento veio nessa fase experimental, com a segunda edição da exposição de arte Armorial ocorrida na Igreja do Rosário dos Pretos de Recife, em 26 de novembro de 1971. 
A música do Movimento esteve representada pelo Quinteto Armorial, grupo fundado naquele ano e que contava em sua formação com os músicos Antônio José Madureira (viola nordestina, tambor e zabumba), Edílson Eulálio Cabral (violão, ganzá e matraca), Fernando Torres Barbosa (marimbau, flauta e tambor), Egildo Vieira do Nascimento (posteriormente substituído por Antônio Fernandes de Faria) (flauta) e Antônio Carlos Nóbrega de Almeida (violino, rabeca e caixa). 




Quinteto Armorial



Instrumentos como o marimbau - de som áspero e monocórdio – e a rabeca – instrumento popular antecessor do violino -, utilizados pelo Quinteto, foram fabricados e restaurados pelo artesão popular nordestino João Batista de Lima. 




Marimbau



Rabeca



Dentro da perspectiva musical do Movimento, a música executada pelo Quinteto foi a que mais se aproximou dos anseios de Suassuna. Sua amizade e proximidade com os componentes do grupo encontraram no talento de Antônio José Madureira, jovem compositor e músico, o ponto de partida para aquilo que desejava: um grupo com instrumentos musicais populares. Dois famosos violeiros, Lourival Batista e Diniz Vitorino Ferreira, dirigiram a iniciação de Madureira na viola nordestina. No concerto inaugural do Quinteto, a orientação musical apresentada deixou claros os rumos da música Armorial: a primeira parte é dedicada à música barroca européia (Scarlatti, Fernando Ferandière, Vivaldi e Haendel); a segunda parte apresentou peças do barroco brasileiro descobertas e restauradas pelo padre Jaime Diniz (uma de Luís Álvares Pinto e outra de José de Lima); a terceira parte, Armorial, mostrou o “Improviso”, a “Chamada” e o “Repente Armorial”, de Antônio Madureira; e duas peças de um colaborador dos músicos armoriais: José Generino de Luna. Nas gravações do seu primeiro disco intitulado “Do Romance ao Galope Nordestino” (que apresenta na capa a gravura “Alexandrino e o pássaro de fogo”, de Gilvan Samico), o repertório escolhido pelo Quinteto retomou algumas peças de compositores da fase preparatória como o “Mourão”, de Guerra Peixe e “Toada e desafio”, de Capiba; além de criações do próprio grupo. No segundo álbum, “Aralume” (capa com a gravura “O triunfo da virtude sobre o demônio”, de Samico), Madureira compôs uma suíte em quatro movimentos inspirada em “O homem da vaca e o poder da fortuna”, teatro de Suassuna lançado em 1958. Nos dez anos de existência, o Quinteto Armorial foi aclamado pela crítica especializada, recebendo prêmios de melhor disco do ano (Revista Veja e Jornal do Brasil, em 1974; e JB, em 1976) e melhor conjunto instrumental de 1974 pela APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte. Excursionou pelo país e pelo exterior, chegando a se fixar em Campina Grande, na Paraíba, quando passou a trabalhar no âmbito da Universidade Federal daquele Estado.



Orquestra Armorial


A fase experimental chegou ao fim em um momento de divergências exacerbadas entre o Quinteto e a Orquestra Armorial. Suassuna e Madureira se unem e criam uma nova Orquestra – mantendo a “espinha dorsal” do Quinteto -, o que oficializa o rompimento de Cussy de Almeida com o Movimento e o início de uma nova fase: a Romançal
Ocupando o cargo de Secretário de Cultura de Recife, Suassuna procura desenvolver uma política de pesquisa e criação artística voltada para as estruturas culturais existentes no município: Orquestra Sinfônica do Recife, Coral Guararapes, Orquestra Popular, Balé Popular do Recife e Orquestra Municipal. Romançal, nome da nova fase e nova orquestra é outro neologismo, alusão que serve “para exaltar o romance, definido como ‘composição polifônica” e a uma “reminiscência do termo romani, designando a língua falada pelos ciganos da Europa Ocidental...”. Nesse ponto, o Movimento perde adesões e redefine sua área de atuação, que se vê reduzida: a fase romançal, iniciada em 18 de dezembro de 1975 com um concerto da Orquestra homônima no Teatro Santa Isabel, é avaliada como aquela que “reafirma a ligação privilegiada com a cultura popular” ao mesmo tempo que elimina a maioria das controvérsias e confusões criadas e mantidas em torno da palavra que foi modelo da criação dessa mesma cultura: Armorial. Em 1981, Suassuna declara abandonar a literatura, mantendo apenas sua atividade docente durante os dez anos em que esteve desligado do mercado literário. 
No disco “Sete Flechas” (capa com layout de Aníbal Monteiro sobre quadro de Fernando Torres) - último da carreira do Quinteto Armorial -, tem-se um exemplo de criação musical que ilustra o caráter essencialmente oral da improvisação, da riqueza do canto e da música das palavras que somente o teatro – arte que mais se aproxima da “armoralidade” – consegue reencontrar. 





Capa do disco intitulado Sete Flechas, último trabalho do Quinteto Armorial, lançado em 1980 pela gravadora Discos Marcus Pereira. Pode-se dizer, segundo critérios de fontes aqui consultadas, que este disco pertence à fase Romançal.


Tocado e cantado por Antônio Carlos Nóbrega, o “Martelo Agalopado”, escrito por Suassuna em 1961, é o primeiro registro de canto na música do Quinteto Armorial e “segundo sua classificação do Romanceiro Popular Nordestino, faz parte da poesia Improvisada, pertencendo à família das Décimas, no caso o Martelo”.



Martelo Agalopado

Ariano Suassuna

O galope sem freio dos cavalos,
os punhais reluzentes do cangaço,
a prata dos Bordões, no seu traspasso,
o pipocar dos rifles e seus estralos.
O sino, com seus toques de badalo,
as onças com seus olhos amarelos,
o lajedo que é trono e que é castelo,
o ressonar do Mundo – esta Onça parda,
o vento, o sangue, o sol, a madrugada,
e eu tinindo o galope do martelo.

Na prisão destas pedras fui atado,
aos olhos garça duma Cega fera.
O sangue da pobreza é uma Pantera
que estraçalha meu povo injustiçado.
Onde reina a justiça do sonhado,
senhores do baraço e do cutelo?
Ela vem! E eu, ao fogo do flagelo,
mesmo em dura prisão assim metido,
na cadeia dos anos vou, detido,
retinindo o galope do martelo.

E as abelhas, o mel acre e dourado,
e o angico, e o tambor, e a baraúna.
O concriz auri-rubro, a caraúna,
os cardeiros de frutos estrelados.
Chora a Vida: - “Ai meu sangue assassinado!”
Grita o Mundo: - “Na pedra eu me cinzelo!”
E o Tempo: - “Tudo eu queimo e esfarelo!”
Quanto a mim, aos açoites da virola,
vou, nas cordas de prata da viola,
retinindo o galope do martelo.


Sendo um processo especial de cantar, usado pelos cantadores nordestinos, o martelo acima ilustra como a relação com o folheto de cordel e a cantoria dos repentistas e cantadores está no alicerce da criação armorial, usados como modelo por todos os poetas do Movimento. Associadas a essa “poética da voz”, as gravuras e imagens que ilustram tanto os folhetos como as capas e encartes dos discos desempenham um importante papel na transmissão oral desse universo Armorial popular brasileiro.